quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Mãe x Mulher

Me separei há muito tempo, meu garoto tinha uns 2 anos e pouco. Desde então alguns namoros meio furados e muitos casos sem sentido. Lá se vão 6 anos nesse carnaval.
E hoje, com o pequeno já não tão pequeno e eu já não tão jovem, me pego aqui pensando como equilibrar as duas fantasias que toda mulher solteira com filhos acaba tendo que usar: a de mãe e a de mulher.

Vamos combinar que culpa é algo inerente a qualquer mãe. Ela surge no momento em que você sabe que está gravida e vai te acompanhar a vida inteira. Você vai se culpar se esquecer de tomar o ácido fólico, se comer demais ou de menos, se perder a calma com as noites em claro depois que o bebe nasceu, se perder a calma quando ele pintou as paredes, se não tem dinheiro para comprar o último Max Steel ou Barbie que custam os olhos da cara, se não fez o suco com frutas orgânicas e agora acha que seu filho terá câncer quando adulto, se trabalha demais para poder comprar o maldito brinquedo ou se trabalha o suficiente mas não tem dinheiro para comprar o maldito brinquedo. Se você passa uma boa imagem, se deu a educação devida, se prestou atenção, se deu amor o suficiente, se brigou quando deveria. A culpa não é das estrelas, ela é coisa de mãe.

Por outro lado você é mulher. Jovem, solteira, desimpedida, livre, com os hormônios te buzinando no ouvido: "você precisa fazer sexo". Você ainda lê revistas de moda, gosta de maquiagem, quer ficar bonita, gostosa, sair para beber, flertar, namorar, rir, ver suas amigas, talvez usar uma langerie fio dental, talvez viajar para a praia. Você pode fazer isso? Talvez. Se:
a) O pai do rebento ficar com o próprio filho. Ou sua mãe, sua irmã, sua ex sogra, o Papai Noel ou qualquer um em quem você confie e queira te dar uma mão.
b) Se você tiver dinheiro depois de comprar a Barbie ou o Max Steel mais uniforme, roupas, comida, pagar aluguel, remédios, as suas coisas, as festinhas da escola, material escolar e todas as despesas que envolvem uma criança.
c) SE A SUA CULPA DEIXAR VOCÊ SE AUSENTAR DO PAPEL MÃE.

Você sabe do que eu estou falando aqui, colega. Você vai chegar na festa com a calcinha fio dental, os saltos, a maquiagem, vai pedir o primeiro drink, vai olhar para o bonitão do bar, começar uma conversa e:
a) vai falar do filho e ainda mostrar uma foto.
b) Vai ficar olhando para o telefone de 15 em 15 minutos para ver se ninguém ligou dizendo que está no hospital com seu filho.
c) Vai lembrar que não pode beber todas porque, no dia seguinte, o pequeno vai acordar as 8h, pedir Nescau e te convidar para brincar.

Dessa forma, a gente acaba entrando numa Zona de Conforto Materna. Aquela zona em que você chega do trabalho e quer mesmo é tirar o sapato, fazer um jantar para o pequeno,ouvir sobre a escola, fazer tarefa e acabar na cama jogando videogame. E se divertindo um monte!
O fio dental fica no fundo da gaveta e as calcinhas normais voltam à cena. Seu drink de sexta é uma taça de vinho ou uma cerveja no sofá, vendo um filme. As viagens são geralmente temáticas: casa da vó, zoológico, praia com os primos.
Na tv o filme cult até passa, de madrugada, mas agora você sabe bem sobre Hora de Aventura, Steve Universo, Incrivel Mundo de Gumball, entre outros desenhos.
O dinheiro? Bom, digamos que você fica aliviada quando consegue pagar as contas, levar o guri no Mc Donald's as vezes e ter certeza de que vocês dois estão seguros. O resto a gente corre atrás, diariamente.
O ex marido? É aquele cara que vem buscar seu filho em alguns finais de semana. Um cara que fez parte de alguma coisa, numa época distante, que você até faz uma piadinha e ponto final.
Então, no fim das contas, quem quer ir a um bar barulhento cheio de gente estranha? Quem quer andar com os pés massacrados num salto alto atrás de homem? Quem quer passar aquela agonia de ficar esperando uma ligação, um e-mail?
Pode ser que daqui uns meses me dê a louca e eu queira tudo isso novamente. Mas nesse exato momento eu vou parar de escrever e procurar receitas de sobremesa para fazer no final de semana, onde vamos à praia e jogaremos horas de videogame. E por incrível que pareça, eu não me sinto nem um pouco culpada!

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Não sou uma mulher fácil de se lidar. Melhor: não sou uma pessoa fácil de se lidar. Sou orgulhosa, insubordinada, ás vezes arrogante, ás vezes agressiva, ás vezes sem sentido, ás vezes intragável. Mas eu nunca enganei ninguém. Nunca sai vestida de lady e, de repente tirei o vestido e mostrei o jeans rasgado e minha bad atitude.
Entre homens e mulheres existem aqueles que adoram, parecem ter como objetivo de vida, pegar alguém e transformá-lo. É o seu hobby, seu chamado, a única forma que têm de amar.
Pera lá moço, vamos com calma aí! Pode se difícil calçar meus sapatos. Deus sabe quantas vezes eu quis ser a menina doce e sorridente, que passeia de carro fazendo carinho no namorado, enquanto ele dirige. Ser a menina que escreve coração no caderno e chora vendo A culpa é das estrelas. A que tem pânico de barata e sobre na cadeira sendo resgatada pelo machão do chinelo.  Mas eu não sou. Nunca fui e, a essa altura do campeonato, jamais serei.
Então não venha me corrigir, me colocar num molde que alguém te disse que era certo.  Não venha agora dizer que eu sou legal mas que poderia ser melhor, poderia ser mais doce, poderia ser menos, poderia ser o que eu não sou.
Meu lado doce existe, não sou uma tirana! Mas ele é coisa rara, coisa que eu produzi como uma pérola, por anos. Não vou dar para qualquer infeliz jogar na lama. Meus beijos sinceros, meu olhar de admiração, meus abraços macios, meus sorrisos de menina são meus e eu os dou quando e como quiser.

Vamos ser sinceros e gostar do que somos? Eu te digo que tenho medo, você me diz que tudo bem. Você me pede um carinho e eu dou. Eu te digo que gosto de beber Ipa e você vem comigo. Você me diz que tem orgulho da minha macheza e eu vou te dar um sorriso bem feminino. Eu vou dizer que não uso salto, você diz que prefere botas. Você me diz que eu estou sendo meio grossa e eu baixo a bola. Eu digo “foda-se” e você ri. Você diz que está com fome e eu faço um jantar para dois. Você me diz “eu gosto de você” e eu te dou um beijo demorado.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Gostaria de ter certeza quando digo que te amo. Mas como é que posso dizer que te amo e saber que você compreendeu, se eu olho para o céu e enxergo lavanda e você acha que é azul?

Como é bom guardar coisas, remexer nos arquivos! Esse texto foi escrito ha quase dois anos e ainda fala tanto sobre mim...



Gosto de você e não deveria. Vou ao trabalho pelo mesmo caminho de sempre, por costume. Não como agrião, detesto alcaparras e acho que uma das melhores invenções dos americanos foi o peanut butter and jelly sanduiche.
Tenho medo de que você um dia analise friamente nosso caso e veja que meus defeitos se sobressaem às minhas qualidades.
Meus pés estão sempre gelados e luto diariamente com minha insubordinação no trabalho.
Procrastino demais, sonho demais, faço de menos.
Não gosto de usar saltos, me acho ridícula de brincos grandes e tenho pensado se ainda tenho idade para usar as roupas que eu uso.
Penso em ter mais filhos, mas ao mesmo tempo quero correr o mundo e pintar os pés na Índia, bater pernas em NY, beber Guinnes na Irlanda. Sinto sua falta, cada dia um pouco mais. Não sou fácil de lidar, não demonstro amor como deveria, digo "foda-se" para quase tudo o que me incomoda.
Não sou mulherzinha, não acho graça em comédia romântica, tenho TPM e uma pinta em forma de coração na batata da perna.
Choro escondida, geralmente no banheiro. Gosto de dias frios de sol, daqueles bem secos onde tenho esperança em qualquer coisa. Não tenho carro, adoro viajar de avião e tenho pouca paciência com gente lerda.
As vezes penso em nós dois numa casa com quintal, filhos, cachorro. Me envergonho por ter pensado, volto a pensar em sacanagem.
Nesse momento em que escrevo, sinto alívio. Mas não sei por quanto tempo isso vai durar.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Faixa de Gaza

Tenho um cachorro chamado Leonardo. Minto, o cão é da minha mãe. Um shitzu carente, com dentes e pequenas pernas tortas que lhe conferem um ar divertido.
Tenho também - e essa é só minha - uma gata chamada Marie. Marie é uma gata sem raça definida, mas de personalidade bem definida, dificil e insolente. Já apanhou, recebeu ameaças, subornos em forma de ração úmida e erva de gato. Nunca consegui dobrar aquela panca aristocrática e a agressividade típica de qualquer diva que sabe que é diva.
Pois Leonardo quer socializar com Marie a qualquer preço. Quer cheirar-lhe o rabicó, quer dividir o cachorro de pelúcia imundo que ele carrega pela casa, quer brincar. Marie não quer nada disso e desconfio que deseja todos os dias que ele morra de repente, infarto fulminante, lombrigas, que salte para o vazio da janela.
Leonardo sempre aceitou como se fizesse o papel de homem feio atrás da bonitona do bairro. Como um trouxa, abanava o rabo, recebia literalmente patadas na cara e... continuava a abanar o rabo.
De uns tempos cara cá Leonardo - O Cão, resolveu pagar para ver. Resolveu sair latindo agressivo após cada negativa da gata, que salta para cima da mesa e fica com taquicardia por alguns minutos.
Eu não mencionei, mas Leonardo - O cão, é carente de uma forma patológica. Mesmo recebendo carinho, ele olha com olhar de sofrimento, de dor por não ter sido amado nas outras 23h do dia. Ele descobriu que eu amo Marie como a filha delinquente que algumas família têm: eu imploro amor e ela me dá quando quer. Se lhe der vontade.
Instaurou-se uma Faixa de Gaza constante que inicia assim que eu acordo e termia quando um dos dois animais vai dormir. Quando não acontecem ações noturnas: ataques, fuga, latidos, perseguição, derrapadas.
Até que um dia, sem perceber, habitamos por alguns minutos o mesmo sofá. Leonardo - O Cão, instalou-se primeiro sobre minhas pernas geladas e dormiu. Marie assistiu a tudo de cima da mesa com o olhar misto de nojo e desdem. Até que, aristocraticamente, desceu da mesa, analisou o ambiente e subiu no sofá, na outra ponta. Por minutos contemplei a cena sem acreditar: a Faixa de Gaza havia afinal concordado com um cessar fogo! Era como EUA e Rússia depois da Guerra Fria, Zod e Superman, Beatrix Kiddo e Cabeça de Cobre, Coringa e Batman - juntos e em paz.
É claro que não durou muito. Leonardo - O Cão abriu os olhos, sacou a cena e foi certeiro no rabuicó da gata, que acordou no susto,deu uma patada e foi resguardar sua dignidade em cima da mesa.
Mas ficou uma esperança de dias pacíficos, de um cessar fogo que dure mais que alguns minutos. De que um dia eu saia da cama de fininho e pegue os dois no flagra, no maior chamego em cima do sofá.


Hoje fez um fim de tarde quente, com direito a vento morno e folhas rodopiando em pequenos redemoinhos.
Sentei no ponto de ônibus apreciando as mudanças de cor do céu, que antes de escurecer por completo pintou-se de lavanda.
Ao meu lado um casal de velhinhos bem velhinhos, do tipo que já saem no lucro a cada dia que acordam.
E o que tem de interessante em um casal de velhinhos na capa da gaita?
Vou te dizer, que nunca tinha visto tanta sintonia entre um casal de tão longa idade.
Ele olhava para ela com ternura, com cuidado. Ela retribuía com pequenos sorrisos e o mesmo carinho. Em uma das rajadas de vento, onde uma poeira espessa levantou, ele chegou bem perto dela e fez uma especie de barreira com o corpo. Os dois deram risadinhas como dois adolescentes.
Eu sorria também. Nesse mundo desgraçado em que a gente vive, onde os relacionamentos parecem todos bombas prestes a explodir, ver aquele casal me deu esperança de um futuro bonito com alguém legal. Alguém que me proteja das rajadas e vento que a vida soprar.
Na hora de subir no ônibus, ela segurou no braço dele com confiança e ele a conduziu com cuidado, ajudando-a a subir com delicadeza.
Antes de descer do ônibus dei uma última olhada, o sol ja havia desaparecido por completo. A senhora havia passado um lenço sobre a cabeça e o senhor o braço sobre os ombros dela, provavelmente como o fez a vida inteira.
Vim caminhando e sorrindo, pensando na beleza daquela cena que provavelmente passou desapercebida para o resto do mundo. É esse olhar atento sobre as coisas belas da vida, que eu espero nunca perder!