segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Faixa de Gaza

Tenho um cachorro chamado Leonardo. Minto, o cão é da minha mãe. Um shitzu carente, com dentes e pequenas pernas tortas que lhe conferem um ar divertido.
Tenho também - e essa é só minha - uma gata chamada Marie. Marie é uma gata sem raça definida, mas de personalidade bem definida, dificil e insolente. Já apanhou, recebeu ameaças, subornos em forma de ração úmida e erva de gato. Nunca consegui dobrar aquela panca aristocrática e a agressividade típica de qualquer diva que sabe que é diva.
Pois Leonardo quer socializar com Marie a qualquer preço. Quer cheirar-lhe o rabicó, quer dividir o cachorro de pelúcia imundo que ele carrega pela casa, quer brincar. Marie não quer nada disso e desconfio que deseja todos os dias que ele morra de repente, infarto fulminante, lombrigas, que salte para o vazio da janela.
Leonardo sempre aceitou como se fizesse o papel de homem feio atrás da bonitona do bairro. Como um trouxa, abanava o rabo, recebia literalmente patadas na cara e... continuava a abanar o rabo.
De uns tempos cara cá Leonardo - O Cão, resolveu pagar para ver. Resolveu sair latindo agressivo após cada negativa da gata, que salta para cima da mesa e fica com taquicardia por alguns minutos.
Eu não mencionei, mas Leonardo - O cão, é carente de uma forma patológica. Mesmo recebendo carinho, ele olha com olhar de sofrimento, de dor por não ter sido amado nas outras 23h do dia. Ele descobriu que eu amo Marie como a filha delinquente que algumas família têm: eu imploro amor e ela me dá quando quer. Se lhe der vontade.
Instaurou-se uma Faixa de Gaza constante que inicia assim que eu acordo e termia quando um dos dois animais vai dormir. Quando não acontecem ações noturnas: ataques, fuga, latidos, perseguição, derrapadas.
Até que um dia, sem perceber, habitamos por alguns minutos o mesmo sofá. Leonardo - O Cão, instalou-se primeiro sobre minhas pernas geladas e dormiu. Marie assistiu a tudo de cima da mesa com o olhar misto de nojo e desdem. Até que, aristocraticamente, desceu da mesa, analisou o ambiente e subiu no sofá, na outra ponta. Por minutos contemplei a cena sem acreditar: a Faixa de Gaza havia afinal concordado com um cessar fogo! Era como EUA e Rússia depois da Guerra Fria, Zod e Superman, Beatrix Kiddo e Cabeça de Cobre, Coringa e Batman - juntos e em paz.
É claro que não durou muito. Leonardo - O Cão abriu os olhos, sacou a cena e foi certeiro no rabuicó da gata, que acordou no susto,deu uma patada e foi resguardar sua dignidade em cima da mesa.
Mas ficou uma esperança de dias pacíficos, de um cessar fogo que dure mais que alguns minutos. De que um dia eu saia da cama de fininho e pegue os dois no flagra, no maior chamego em cima do sofá.

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