segunda-feira, 26 de março de 2012

Não sou religiosa. Não no sentido de ter uma religião, especialmente as nascidas dentro do cristianismo. Não acredito em dogmas, não acredito em disciplina para orar, não acredito em religiões que interfiram no meu livre arbítrio, no âmbito social ou que preguem castigos, físicos ou mentais como forma de expiar um pecado original imaginário. Não acredito num Deus mau e maquiavélico que elege correspondentes na terra, que castiga ou que tenha forma humanóide.

Mas hoje pela manhã, bem cedinho, contemplei o mar e o sol alto por entre as nuvens e senti vontade de orar. Uma oração silenciosa, pessoal, sem pedir nada, sem me desculpar com ninguém. Foi simplesmente uma vontade de me comunicar, fazer parte, me misturar. Lembrei então de uma oração linda, do povo sioux que tem muito a ver com o acontecido:

ORAÇÃO DA TRIBO SIOUX

Ó Grande Espírito, cuja voz ouço nos ventos, cujo sopro anima o mundo, ouça-me.

Sou pequeno e fraco, preciso de sua força e sabedoria.

Permita que eu caminhe na Beleza, e faça com que meus olhos contemplem para sempre o vermelho e a púrpura do sol poente.

Faça com que minhas mãos respeitem todas as coisas criadas

Faça meus ouvidos aguçados para que eu ouça a sua voz.

Faça-me sábio para que eu possa entender tudo aquilo que foi ensinado ao meu povo.

Permita que eu apreenda os ensinamentos escondidos em cada folha, em cada pedra.

Busco força, não para ser maior do que meu amigo, mas para lutar contra meu maior inimigo – eu mesmo.

Permita que eu esteja sempre pronto para ir ao teu encontro de mãos limpas e olhar firme.

Assim, quando a minha vida estiver no ocaso, como o sol poente, que meu Espírito possa ir à sua presença, sem nenhuma vergonha.

sábado, 3 de março de 2012

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
E tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
A minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

Pablo Neruda